Todos gostamos de números redondos


Neste ano em que se comemoram quatro décadas sobre o evento que alterou para sempre a vida de todos os portugueses a situação está difícil e, no espírito de alguns, surge a pergunta se valeu mesmo a pena. Desculpem a franqueza, mas esta é uma dúvida estúpida: basta olhar para os indicadores da época e para os actuais para vermos a evolução tremenda que aconteceu nos últimos 40 anos! Os mais cínicos dirão que até durante o regime fascista as coisas evoluíram, e é verdade, mas esses números não são comparáveis aos do pós 25 de Abril. Todos os que viveram nessa época obscura se recordam certamente de como viviam as pessoas e de como eram as coisas. E nem estamos a falar do que não havia: liberdade de expressão! Só essa conquista já justificaria a Revolução de Abril, mas ganhámos muitas outras coisas que, hoje em dia, as pessoas já se tinham habituado a considerar como garantidas.
E é aqui que mora o problema actual: questionar o valor do 25 de Abril é estúpido (excepto para uns quantos fascistóides que ainda por aí andam), questionar porque estamos na actual situação é pertinente e, neste caso, ninguém é inocente. Desde o “não-político” Cavaco a Guterres, do Barroso da tanga que fugiu ao Sócrates da nossa desgraça, todos têm uma parte da culpa pela situação económica a que chegámos. Mas não é por isso que Sócrates deixa de ter razão quando disse que a dívida não se paga, gere-se – não se deve aviltar a mensagem só por não gostarmos do mensageiro. Aqui para nós, alguém acredita que todos estes sacrifícios a que fomos sujeitos pela última leva de políticos de aviário nos vai permitir pagar a dívida? Claro que não! Que alguma coisa tinha de ser feita era certo, mas este ajoelhar perante os mercados, esta atitude de ser mais papista que o Papa, esta sanha raivosa contra os mais pobres e desprotegidos “esconde” algo mais sinistro do que o pagamento da dívida: é toda uma atitude revanchista que ataca tudo o que de bom se tinha construído nestes últimos 40 anos sem dar nada em troca! Tudo o que foi feito até agora pelos que realmente estão a mandar no país (e de que o títere Passos Coelho é apenas o frontispício) tem objectivos bem precisos e o pagamento da dívida é só o pretexto: acabar com a mobilidade social, acabar com o Serviço Nacional de Saúde, transformar a Segurança Social em caridadezinha, acabar com a educação para todos, esmagar a classe média, etc., etc… e a criação da ideia de que não há alternativa surge como a fundação para tudo o resto…

No meio de tudo isto é fácil tomar a nuvem por Juno e culpar o que nos deu um mundo novo e a possibilidade de questionar esse mundo em vez dos verdadeiros culpados. A única forma de sairmos deste poço em que nos encontramos é reforçar os valores de base que o 25 de Abril nos concedeu, não é procurar salvadores miraculosos nem receitas duvidosas. É não nos limitarmos a votar e esquecer a política o resto do tempo (e contra nós próprios falamos). É sermos mais cidadãos do que eleitores.
Não duvidemos, estes cães mordem-nos mas a caravana há-de passar, a bem ou à força – meus senhores, não tomem como garantidas as cadeiras em que estão sentados. Não seriam os primeiros a cair delas… E não, não somos perigosos revolucionários, somos apenas dois cidadãos que não se conformam com esta canga que nos puseram.

Viva o 25 de Abril! Viva Portugal!

tuguinho e Kroniketas, os diletantes preguiçosos (de cravo vermelho na lapela mas ainda sem G-3 na mão)

 

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